Shuhari e o Scrum na prática da gestão de vendas
Talvez o título do texto tenha assustado você com dois termos específicos. O Scrum não é um conceito tão desconhecido. Como framework, seu principal objetivo é organizar e gerenciar trabalhos complexos.
O que acho mais interessante ao rodar dentro do modelo Scrum é que o resultado alcançado é inesperado e imenso ao executar tarefas pequenas e curtas. É como pensar que a união de vários átomos constroem o Universo. Coisas pequenas gerando realmente grandes resultados.
Como estratégia geral o Scrum tem os seguintes passos:
- Dividir e conquistar: É a noção de pegar um trabalho complexo e transformá-lo em algo simples e acionável. Dessa forma se torna mais fácil (ou até possível) monitorar o que deve ser feito.
- Inspecionar e adaptar: Uma vez que o trabalho está dividido em pedaços menores, é possível verificar o andamento e saber se aquilo está sendo feito ou não em um curto espaço de tempo.
- Transparência: Algo essencial para times pautados em resultados e não em políticas internas. Saber quem está fazendo o quê e quando estará pronto, faz parte do funcionamento do framework.
Shu Ha Ri: O que é isso?
Em qualquer estratégia, atividade ou habilidade que você queira alcançar, é preciso prática e evolução de forma gradual. É por isso que trago o conceito Shu Ha Ri como forma de adquirir maestria em qualquer atividade.
O Shu Ha Ri é um modelo que busca guiar aprendizes até o momento do domínio do conhecimento. É um conceito originado de artes marciais, mas, como processo de aprendizado, pode ser utilizado em qualquer situação.
Shu Ha Ri significa:
- Shu ou Obedecer: Esse é o momento em que o aprendiz precisa ser humilde e robótico, e obedecer quais são os principais pontos que devem ser seguidos (também conhecidos como regras). Nesse momento ele precisa repetir o que o mestre diz sem utilizar muito do pensamento durante o processo. É o foco em seguir cegamente técnicas validadas.
- Ha ou Desviar: Nesse segundo momento, o aluno passa a quebrar pouco a pouco as regras anteriores, ainda com o resultado final em mente. É o momento que a teoria e o conhecimento passam a desafiar as técnicas, e os princípios passam a ser o diferencial para a evolução do conhecimento.
- Ri ou Separar: Agora não existem mais técnicas, princípios ou conhecimento útil que não venha de fora da mente. A partir de agora, as atividades são executadas de forma natural, a evolução dos processos e do conhecimento surgem do indivíduo e não de livros ou blog posts.
Esse é o modelo que você tem que ter em mente para sair da etapa de aprendizado e percorrer o caminho para chegar à maestria.
Você pode pensar no domínio de novas habilidades da seguinte forma. Imagine que você acabou de se tornar gestor da área comercial.
No início, a sensação será de desconforto e você fará um grande esforço consciente para seguir as regras que o gestor anterior que, agora promovido, seguia. O gestor antigo dirá diversas vezes:
- Realize coaching com seu time;
- Acompanhe a evolução de indicadores;
- Venda somente para Key Accounts;
- Tire empecilhos que prejudiquem seu time.
A etapa de Shu requer muita repetição e presença consciente para que seu corpo retenha aquilo de forma gradual.
Conforme o tempo passa e você vai dominando cada um dos passos, você chega em um momento que o seu mentor passa cada vez menos a falar o que você deve fazer.
Além disso, como gestor, você começa a procurar por habilidades que vão incrementar o seu trabalho. Por exemplo, um curso de gestão de pessoas pode agregar na sua habilidade de lidar com conflitos internos e motivar o time de vendas de uma forma mais assertiva.
Aqui você começa a quebrar algumas regras e inovar durante o processo. Esse é um sinal que você começa a entrar no Ha ou desvio.
Realizar as etapas de forma a não seguir um padrão claro e que corre de uma maneira mais fluente é o estado final, o Ri. Aqui, apesar de não haver um modelo claro, existe sim alguns padrões, mesmo que instintivos, que estão acontecendo.
Dentro do próprio Kaizen (melhoria contínua) é importante pensar que você nunca chega em um Ri total. Sempre existe algo que pode ser melhorado.
O que o Scrum tem a ver com o Shu Ha Ri
Estou falando do Shu Ra Ri porque ele é um conceito proposto no livro do Jeff Sutherland, A arte de fazer o dobro de trabalho na metade do tempo. Esse foi o livro que introduziu o Scrum ao mundo.
O mesmo tem origem prática e de pensamento japonês sobre a forma em que o processo de domínio do framework passa obrigatoriamente pelas três etapas de níveis de habilidade.
Dominar a gestão de vendas baseada no Scrum obrigatoriamente requer essa evolução em três etapas. Mas antes disso é preciso entender os princípios do Scrum e como ele se adapta dentro de um processo de gestão de vendas.
Os valores do Scrum
O framework tem como base 5 valores que ajudam os times a fundamentarem as práticas de gestão:
- Foco: Queremos entregar um pedaço pequeno a todo tempo, nós construímos os pontos mais valiosos o quanto antes.
- Coragem: Como time, podemos juntos enfrentar grandes desafios. E precisamos ter coragem para desafiar sempre o status quo.
- Transparência ou abertura: Toda a informação é aberta a todos. Qualquer parte pode ser inspecionada e melhorada.
- Comprometimento: Todos devem se comprometer e participar para o time alcançar o resultado final, alcançando sempre uma meta que é uma parte menor da meta final.
- Respeito: Já que trabalhamos, vencemos e perdemos juntos, precisamos ter respeito um pelo o outro. Os pontos fortes de um membro do time pode não ser o ponto forte do outro, de forma que posso aprender com isso e vice-versa.
O principal objetivo do Scrum em vendas é habilitar equipes à alcançarem resultados incríveis. Ou seja, foco no resultado e não em política interna e burocracia. E sabemos que é exatamente isso que times de vendas precisam.
Agora como isso se aplica de forma prática?
Como evoluir dentro do Shu Ha Ri com foco na evolução de gestão de vendas?
O primeiro ponto é ter uma noção do que é exatamente o papel do gestor e o que não é responsabilidade do mesmo. Como responsabilidade, o gestor, dentro do modelo SCRUM, deve executar de forma recorrente:
- Coaching com o time;
- Acompanhamento de KPIs;
- Negociação de Key Accounts.
Como primeiro ponto, você precisa posicionar o seu nível de conhecimento dentro de cada uma das categorias do Shu Ha Ri. Assim que definir em qual etapa você acredita estar, pule para a etapa seguinte do texto.
Lembre sempre que você pode estar na categoria Ha sobre Coaching com o time, mas ainda ser um Shu para acompanhar indicadores.
Shu para cada uma das etapas em várias áreas
O Shu é o momento que você deve obedecer regras de uma forma processual sem focar muito em utilizar a mente criativa. Nesse ponto é preciso que você foque em seguir as atividades pelo simples motivo de executá-las sem pensar em muitas inovações.
Shu para coaching com o time
De todos os cincos valores dentro do SCRUM, o que julgo como mais importante para coaching com o time é o de transparência. Para treinar o time um a um é preciso ter transparência quanto ao que tem sido feito e o que o membro está enfrentando de dificuldade.
É muito comum vendedores serem orgulhosos de forma a não demonstrarem falhas, erros e dificuldades. Além do fato de que, por serem vendedores, eles têm uma naturalidade muito grande para se vender.
Se o time não é transparente quanto as dificuldades, como será possível evoluir suas habilidades?
De uma forma geral, para começar ainda hoje o processo de coaching, siga o seguinte passo a passo:
- Defina para todos do time que o coaching será um processo semanal com 15-30 minutos para cada um em separado;
- Defina um horário e marque no calendar ou ferramenta de marcação de todos, já pensando em um horizonte de 3 meses.
- No dia, chame o membro em um local reservado e estabeleça uma atmosfera de confiança dizendo que esse processo é para o crescimento pessoal e profissional;
- Comece elogiando algo que aquela pessoa faz muito bem e em seguida pergunte o que ela acredita que possa fazer melhor.
- Dê feedback (se for algo relacionado às vendas, faça simulações/role playing) prático sobre como melhorar aquilo.
Shu para acompanhamento de indicadores
Sei que no início o acompanhamento de indicadores é algo difícil. Parece ser uma atividade que não acrescenta valor nenhum, de forma que muito gestores não o fazem.
Por isso que o principal valor que você deve seguir é o de Comprometimento. É preciso ter disciplina e monitorar os indicadores semanalmente para saber se precisamos fazer alguma modificação para atingir a meta final.
No modelo Shu para acompanhamento de indicadores é preciso verificar constantemente os indicadores dentro do funil pensando sempre que se algum indicador não estiver “interessante” é preciso fazer algum tipo de esforço ou tomar alguma atitude.
Em um funil segmentado a decisão tende a ser mais simples, já que sabemos quem é (ou são) o(s) responsável(is) que precisamos conversar. Qual o passo a passo no modelo Shu para realizar com sucesso esses indicadores?
- Estabeleça um processo de daily meeting e peça para cada membro do time dizer se atingiu a meta diária de MQLs, SQLs ou novos clientes. Isso te ajuda a saber frequentemente o que está acontecendo;
- Estabeleça em sua agenda um horário semanal para verificar no CRM como está andando os indicadores e pense no que fazer para alcançar aquilo;
- Defina um momento de pelo menos 2 horas para fazer todo esse levantamento com calma, definindo um PDCA sobre o que deve ser feito. Tente pensar em causa-relação para chegar à insights interessantes.
Shu para negociar Key accounts
A tendência é que, no cenário de vendas, o profissional tenha se tornado um gestor de vendas pelo fato de ser um bom vendedor. Isso acabaria por tornar meio redundante dizer que o gestor de vendas é Shu em Key Accounts.
Mas acontece que, em startups, muitos fundadores tendem a se tornar gestores devido ao fato de participarem do início da empresa, mesmo que não assumiram o operacional do processo de vendas.
Dessa forma, o próprio gestor pode ter dificuldades em treinar o time se ele não aprender a realizar o processo de vendas.
Quanto a isso, não há nada melhor que a prática com o feedback. Se por um lado o próprio envolvimento de um C–Level contribui para a venda se concretizar, é preciso que você se treine em metodologias e práticas para alcançar um resultado rápido.
No início do aprendizado, você vai seguir o que determinado autor (ou autoridade) disse como deve ser feito até o momento que começa a ser mais livre e desenvolto.
No momento que tudo isso começa a fazer parte do dia a dia e seu corpo se acostuma com todo esse processo, entramos na categoria do Ha.
Ha para coaching com o time
Se você chegou nesse nível é um sinal que já participou de diversos Role-playings com os membros em vários processos de vendas: inteligência comercial, prospectores, SDRs ou vendedores.
Só que seguir esse processo passou a ser chato e repetitivo. Você reconhece que sim, que é útil, mas o fato de ter perdido um pouco a “graça” do processo, fez você se desinteressar, já que todas as situações e dificuldades do time tendem a se repetir.
Essa é o início do Ha: você reconhece que só seguir as regras não é mais suficiente e começa a pensar em maneiras de desenvolver melhor o seu time.
Se fosse escolher um valor principal dentro do Scrum para esse momento em especifico, eu escolheria a Coragem. Pois esse é o momento de desafiar o status quo e a segurança para alterar paradigmas.
Se antes você focava em desenvolver o profissional de vendas, agora já reconhece a necessidade de desenvolver outras áreas: postura profissional, gerenciamento de crise ou até um novo gestor.
Também é possível que nesse momento você altere o próprio treinamento inicial, tornando o processo de aprendizagem do novo membro mais rápido e, com certeza, diferente.
Ha para acompanhamento de indicadores
Se você teve disciplina para acompanhar os indicadores da área comercial, agora é preciso tornar TODO o processo otimizado.
Olhar para uma etapa do funil e pensar no que vale a pena investir para conseguir um resultado melhor, desde um novo membro até uma nova ferramenta para tornar uma etapa o mais azeitada possível.
Como valor para essa etapa eu escolheria o foco. Sabemos que enquanto a área comercial não está dando resultados, é difícil justificar investimentos na mesma. Dessa forma deve-se focar nos pontos chaves um por um.
Isso é ainda mais justificável quando muitos produtos do mercado americano não funcionam bem no nosso país, quando falamos de softwares. Então a escolha tem que ser realmente assertiva.
No nível Ha, novas formas de atingir o resultado final surgem. O gestor começa a fechar parcerias para atingir as metas ou focar o discurso em novas contas ou negócios diferentes do padrão.
Ha para Key Accounts
Se antes o gestor precisava praticar atividades de vendas, agora ele foca em atividades de melhoria. Aprender novas metodologias, frameworks e discursos.
O que é um fator muito comum é o gestor passar muito anos na etapa Shu pelo simples fato de não acreditar que existe uma forma melhor que a atual para se vender.
O Ha traz o processo de melhoria constante como fator primordial. Normalmente muitos vendedores tendem a utilizar a afirmação de que estão no mercado há muitos anos e por isso sabem a forma como deve ser feito.
Dentro do Kaizen (melhoria contínua) esse discurso não é aceitável. É preciso coragem para diminuir o ego e desafiar os resultados até então.
O Ri é o estado final?
Pela própria definição do Ri não faz sentido dizer nada, pois a própria evolução do processo acaba saindo de dentro da mente.
Se houve um momento na história de vendas em que podemos citar o Ri, foi nos momentos que precederam o surgimento do SPIN Selling. Se você já leu o livro, você consegue verificar como o autor passou por todas as etapas no processo de pesquisa para a Xerox.
Mas é importante lembrar que o Ri não é realmente o estado final. É algo que vai evoluir conforme as regras vão mudando. É o próprio processo de inovação tomando uma nova forma.
Por exemplo, o próprio SPIN mudou com o surgimento da internet. Assim como todas as responsabilidades dos gestores devem se alterar com o passar do tempo.
Conclusão
O primeiro passo que você como gestor tem que tomar, se quiser aplicar a metodologia do Shu Ha Ri, é julgar cada um dos seus membros nessas categorias. Por exemplo, considere o Felipe Amaral, prospector em seu time, e algumas habilidades que interferem no trabalho dele.
Felipe Amaral | |
Habilidades | Nível no Shu Ha Ri |
Capacidade de investigação | Shu |
Elevator Pitch | Ha |
Comunicação bilateral | Ri |
Lidar com objeções | Shu |
Organização no CRM | Shu |
Segurança ao realizar calls | Ha |
Dessa forma torna-se possível focar em alguns pontos que você queira trabalhar no seu coaching. Já como gestor, você pode fazer o processo inverso, explicar a metodologia para seu time e pedir que eles julguem você em algumas habilidades que impactam no seu trabalho.
Espero que você tenha gostado e aprendido com este post. Não deixe de assinar nossa newsletter e baixar nossos materiais ricos.
Muito bom!! Parabéns pelo artigo!